Em essência, os contos de fada podem ser vistos como pequenas obras de arte, capazes
que são de nos envolver em seu enredo, de nos instigar a mente e comover-nos
com a sorte de seus personagens. Causam impacto em nosso psiquismo porque
tratam das experiências cotidianas, e permitem que nos identifiquemos com as
dificuldades ou alegrias de seus heróis, cujos feitos narrados expressam, em
suma, a condição humana frente às provações da vida. Não fossem assim tão
verdadeiros ao simbolizar nosso caminho pessoal de desenvolvimento,
apresentando-nos as situações críticas de escolha que invariavelmente
enfrentamos, não despertariam nem sequer o interesse nas crianças que buscam
neles, além da diversão, um aprendizado apropriado à sua segurança. Neste
processo, cada criança depreende suas próprias lições dos contos de fadas que
ouve, sempre consoante seu momento de vida, e extrai das narrativas, ainda que
inconscientemente, o que de melhor possa aproveitar para aí ser aplicado.
A
história de Ye Xian, também conhecida como Cinderela chinesa original, foi
escrita durante a dinastia Tang (618-906 d.C.)*
Durante
muitos anos, pensou-se que a história de Cinderela havia surgido na Itália, em
1634. Iona e Peter Opie, em The classic fairy-tales, publicado pela Oxford
University Press em 1974, consideram a versão italiana de Cinderela a mais
antiga versão européia.Hoje sabemos que Ye Xian, de Duan Cheng-shi é oitocentos
anos mais velha que a história italiana. Cinderela parece ter viajado da China
para a Europa. Talvez Marco Polo a tenha levado de Pequim para Veneza
oitocentos anos atrás. Quem poderá saber?
Era uma vez uma menina chamada Ye
Xian, que viveu durante a dinastia Tang na China. O pai dela tinha duas esposas
e duas filhas, uma de cada esposa. A mãe de Ye Xian morreu, e logo depois o
pai. A madrasta a maltratava, demonstrando preferência pela própria filha.
Ye Xian era uma ceramista de talento e
passava o dia todo no torno, aperfeiçoando seu dom. As pessoas vinham de longe
para comprar seus potes. Seu único amigo era um peixe dourado que ela adorava.
A madrasta ficou com ciúme, pegou o peixe, comeu e botou as espinhas debaixo de
um monte de esterco. Ye Xian encontrou as espinhas e as escondeu em seu quarto.
As espinhas do peixe lançavam raios mágicos que atribuíam um brilho especial a
seus potes.
Houve uma grande festa, mas a madrasta
proibiu Ye Xian de participar. Quando a madrasta e a irmã saíram, Ye Xian se
vestiu com um belo manto de penas de martim-pescador e um par de sapatos
dourados que eram leves e elegantes.
Na festa, ela conversou brevemente com
o nobre senhor guerreiro local, que ficou muito impressionado com sua beleza. A
madrasta a reconheceu e a perseguiu. Ye Xian correu para casa, mas perdeu um
dos sapatos, que foi encontrado pelo nobre guerreiro. Ele ordenou que todas as
moças de seu reino o experimentassem, mas o sapato era muito pequeno. O sapateiro
que fizera os sapatos apresentou-se e contou ao nobre senhor guerreiro que
pertenciam a Ye Xian, que havia trocado um de seus potes pelos sapatos
dourados. Com seu próprio talento e esforço, Ye Xian havia comprado os sapatos
que acabaram levando ao seu casamento com o nobre senhor guerreiro. Os dois
viveram felizes para sempre.
(texto
e comentário extraídos do livro Cinderela chinesa, a história secreta de uma
filha renegada, de Adeline Yen Mah, Companhia das Letras, 2006)
* O texto chinês da história de Ye Xian está no livro Yu Yang Za Zu, que contém uma miscelânea de contos folclóricos do século IX chinês. O autor é Duan Cheng-shi e as histórias foram coletadas em um livro enciclopédico que teve muitas edições durante os últimos 1100 anos.
* O texto chinês da história de Ye Xian está no livro Yu Yang Za Zu, que contém uma miscelânea de contos folclóricos do século IX chinês. O autor é Duan Cheng-shi e as histórias foram coletadas em um livro enciclopédico que teve muitas edições durante os últimos 1100 anos.
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