quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A caixa de ferramentas


O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos.
Ferramentas são melhorias do corpo. Os animais não precisam de ferramentas porque seus corpos já são ferramentas. Eles lhes dão tudo aquilo de que necessitam para sobreviver.
Como são desajeitados os seres humanos quando comparados com os animais! Veja, por exemplo, os macacos. Sem nenhum treinamento especial eles tirariam medalhas de ouro na ginástica olímpica. E os saltos das pulgas e dos gafanhotos! Já prestou atenção da velocidade das formigas? Mais velozes a pé, proporcionalmente, que os bólidos de Fórmula Um! O vôo dos urubus, os buracos dos tatus, as teias das aranhas, as conchas dos moluscos, a língua saltadora dos sapos, o veneno das taturanas, os dentes dos castores.
Nossa inteligência se desenvolveu para compensar nossa incompetência corporal. Inventou melhorias para o corpo: porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, jegues, bicicletas, casas... ferramentas são meios para se viver. Ferramentas aumentam a nossa força, nos dão poder. Sem ser dotado de força de corpo, pela inteligência o homem se transformou no mais forte de todos os animais, o mais terrível, o maior criador, o mais destruidor. O homem tem poder para transformar o mundo num Paraíso ou num deserto.
A primeira tarefa de cada geração, dos pais, é passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas. Para que eles não tenham de começar da estaca zero. Para que eles não precisem pensar soluções que já existem. Muitas ferramentas são objetos: sapatos, escovas, facas, canetas, óculos, carros, computadores. Os pais apresentam tais ferramentas aos seus filhos e lhes ensinam como devem ser usadas. Com o passar do tempo muitas ferramentas, objetos e seus usos, se tornam obsoletos. Quando isso acontece  eles são retiradas da caixa. São esquecidos por não terem mais uso. As meninas não têm de aprender a torrar café numa panela de ferro e nem os meninos têm de aprender a usar arco e flecha para encontrar o café da manhã. Somente os velhos ainda sabem apontar os lápis com um canivete...
Outras ferramentas são puras habilidades. Andar, falar, construir. Uma habilidade extraordinária que usamos o tempo todo mas de que não temos consciência é a capacidade de construir, na cabeça, as realidades virtuais chamadas mapas. Para nos entendermos na nossa casa temos de ter mapas dos seus cômodos e mapas dos lugares onde as coisas estão guardadas. Fazemos mapas da casa. Fazemos mapas da cidade, do mundo, do universo. Sem mapas seríamos seres perdidos, sem direção.
A ciência é, ao mesmo tempo, uma enorme caixa de ferramentas e, mais importante que suas ferramentas, um saber de como se fazem as ferramentas. O uso das ferramentas científicas que já existem pode ser ensinado. Mas a arte de construir ferramentas novas, para isso há de se saber pensar. A arte de pensar é a ponte para o desconhecido. Assim, tão importante quando a aprendizagem do uso das ferramentas existentes – coisa que pode se aprender mecanicamente – é a arte de se construir ferramentas novas. Na caixa das ferramentas, ao lado das ferramentas existentes, mas num compartimento separado, está a arte de pensar.
Mas há uma outra caixa, na mão esquerda, a mão do coração. Essa caixa está cheia de coisas que não servem para nada. Inúteis. Lá estão um livro de poemas da Cecília Meireles, a “Valsinha”, do Chico, um cheiro de jasmim, um quadro do Monet, um vento no rosto, uma sonata de Mozart, o riso de uma criança, um saco de bolas de gude... Coisas inúteis. E, no entanto, elas nos fazem sorrir.
Dentro da caixa de coisas que acham que são inúteis existem coisas que a gente não pensa, só sente; e sentir às vezes é mais importante que pensar: Por exemplo: como será  que me sinto agora? Quais são as minhas metas mais importantes para eu ter boas sensações? Quais as coisas que guardo dentro de mim? Como eu sou por fora e por dentro? Como enfrentar os desafios dessa fase da minha vida?



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