A COLCHA DE RETALHOS
Conceil Corrêa da Silva
Nye Ribeiro Silva
Editora do Brasil
Nos finais de
semana Felipe vai para a casa da vovó. É uma delícia!
Vovó sabe fazer bolo de
chocolate, brigadeiro, bala de coco, pão de queijo... enfim, sabe fazer tudo
que Felipe gosta. E lá não tem esse negócio de “hora de comer isso, hora de
comer aquilo...hora de brincar, hora de dormir...”
Vovó sabe
contar histórias como ninguém.
- Conta mais
uma, vovó. Só mais uma!
Vovó coloca os
óculos bem na ponta do nariz, faz uma cara engraçada e fala bem fininho e
fraquinho, imitando a voz da Chapeuzinho Vermelho, e bem grosso e forte,
imitando a voz do lobo mau. Ah! Quem é que não gosta de uma vovozinha assim?
Um dia, quando
Felipe chegou à casa da vovó, encontrou uma porção de pedaços de tecidos
espalhados pelo chão, perto da máquina de costura onde ela estava trabalhando.
- O que é
isso, vovó?
- São
retalhos, Felipe. Fui juntando os pedaços de pano que sobravam das minhas
costuras e, agora, já dá para fazer uma colcha de retalhos. Vou começar a
emendá-los hoje mesmo.
- Posso
ajudar, vovó?
- Está bem.
Então vá separando os retalhos para mim. Primeiro só os de bolinha, depois os
de listrinhas...
Felipe
esparramou tudo pelo chão e foi separando-os um a um. Tinha pano de florzinha,
de lua e estrela, de bolinha grande e bolinha pequena, listrado, xadrez...
- Olha esse
pano listrado, é daquele pijama que você fez para mim quando a gente passou
aqueles dias no sítio, lembra?
- É mesmo
Felipe, estou me lembrando. Que férias gostosas! Andamos a cavalo, chupamos
jabuticaba... As jabuticabeiras estavam carregadinhas!
- E olhe esse
pano xadrez, que bonito vovó!
- É daquela
camisa que eu fiz para você dar ao seu pai, no dia do aniversário dele. Sua mãe
fez um jantar gostoso e convidou todo mundo.
- Ah! Eu me
lembro! Veio o tio Paulo, o tio João, a tia Josefina, veio a Cecília e até o
Rex, para brincar com o meu cachorro, Apolo. Parece que um deles fez xixi na
cozinha e o outro fez cocô no quintal, né?
- Seu pai
ficou tão bonito! E assoprou as velinhas, todo vaidoso, de camisa nova.
- É mesmo! Mas
ficou bravo com os cachorros.
- Olha, Felipe
esse retalho aqui. Não é daquele vestido que eu fiz para a sua mãe ir a uma
festa de casamento? Sabe, quando a sua
mãe era pequena eu fazia uma porção de vestidos para ela. E gostava também de
bordá-los. Uma vez fiz um vestido cor-de-rosa, inteirinho bordado com a branca
de neve e os sete anões. Quando o vestido ficou pronto, ela falou assim:
- Ué, mamãe,
está faltando a bruxa!
- Vovó, esse
pano azul-marinho está com a cara da Vó Maria.
- Era dela
mesmo!
- Vovó Maria
mora lá no céu, né? Junto com o vovô Luiz e o meu cachorrinho Apolo... Ué,
vovó, você está chorando? O que aconteceu?
- Não, - disse
a vovó fungando e limpando o nariz com o lenço – não estou chorando, não.
- Ah! Vovó!
Vice não disse que nós somos amigos? Então, me conta o que está acontecendo.
Você está triste?
- É saudade,
Felipe! É a saudade...
- Saudade dói,
vovó?
- às vezes
dói. Quando a saudade é de alguém que já foi embora para nunca mais voltar...
- Ah!
- Mas existem
outras saudades: de um passeio gostoso, de uma viagem, de uma festa, de um
amigo, de uma amiga, de um parente que mora longe...
-Vovó, acho
que eu ainda não entendo nada de saudade.
- Eu sei. A
gente só entende bem das coisas que já experimentou. Talvez ainda seja muito
cedo para você entender dessas coisas...Felipe, me ajuda aqui. Vamos ver como é
que está ficando a nossa colcha de retalhos!
- Que bonita,
vovó! Um dia você faz uma para mim também?
Depois de
algum tempo, Felipe nem se lembrava mais da colcha de retalhos. Um dia, ao
voltar da escola...
- Felipe! A
vovó mandou uma surpresa para você!
- Uma surpresa
para mim? Onde?
- Está lá em
cima da sua cama.
Felipe entrou
no quarto correndo. A colcha estava sobre a sua cama. Que linda! Mas não era
uma colcha como essas que se vende, nas lojas. Cada retalhinho tinha uma
história.
Ali, deitado
sobre a colcha, Felipe passou algum tempo lembrando-se de uma porção de
histórias. Observou um retalho de brim azul...
- Foi quando o
papai e a mamãe viajaram de férias e eu fiquei lá na casa da vovó. Um dia, fui
subir na jabuticabeira e levei o maior tombo. Ralei o joelho, fiquei com o
bumbum dolorido e o short rasgado...
que vergonha! Vovó veio correndo lá de dentro. Me pegou no colo com carinho e,
depois, nesse mesmo dia, resolveu fazer um short
novo para mim. E fez um short deste
pano aqui, de brim azul.
De repente,
Felipe começou a sentir uma coisa estranha dentro do peito. E aquilo foi
aumentando, aumentando... Felipe foi atrás de sua mãe :
- Me leva na
casa da vovó?
Não demorou
nada e os dois estavam chegando lá na casa da vovó. Tocaram a campainha e ela
veio lá de dentro.
- Parece que
eu estava adivinhando que você vinha. Fiz um bolo de chocolate, do jeito que
você gosta!
- Vovó, vem
aqui pertinho. Agora me dá um abraço bem gostoso!
- Aconteceu
alguma coisa, Felipe?
- Sabe,
vovó... – cochichou Felipe, bem baixinho, no seu ouvido – preciso te contar um
segredo: eu acho que já entendi... agora já sei o que é saudade!
Nenhum comentário:
Postar um comentário